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"Little Boy" também é nome do inferno
Uma emissora que desaparece, uma explosão ferroviária que ninguém sabe explicar foram os primeiros sinais que algo tinha acontecido em Hiroshima. Três dias depois, em Nagasaki, um relógio quase derretido fixou os ponteiros na hora e nos minutos do horror: 11h02 (hora local). Muito se tem dito, escrito, comentado sobre as bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki. No entanto, em nome da memória, esse «muito» parece sempre pouco para impedir que a História mundial ande para trás.
No dia 6 de agosto de 1945 a Corporação Japonesa de Radiodifusão apercebeu-se de algo estranho. Uma torre emissora regional tinha deixado de dar sinal e a linha de reserva tinha falhado. A emissora era de Hiroshima, mas às 8h15 tinha “desaparecido”.

Foto: Hiroshima Peace Memorial Museum via AFP

Foto: Kim Kyung-Hoon - Reuters (estrutura de parte do edifício mais próximo da explosão e que ficou conhecido como Cúpula da Bomba Atómica de Hiroshima)
Quando ele e o piloto chegaram a Hiroshima testemunharam uma devastação nunca antes vista: edifícios arrasados, uma cidade em chamas, fumo e nuvens estranhas no céu.
Demorou algumas horas até que Tóquio descobrisse o que tinha acontecido.

Foto: EPA (visitante observa imagem de sobrevivente, no Museu do Memorial da Paz de Hiroshima)
Depois começaram os incêndios que varreram a cidade. Muitos sobreviventes ficaram cobertos de bolhas. Os corpos espalhavam-se pelas ruas.

Foto: Reuters (arquivo) - voluntários retiram um corpo dos escombros
Começou a cair uma chuva esquisita. Do céu caiam detritos e cinzas como se fossem gotas de água. Mas era precipitação radioativa, a chamada chuva negra que enegrecia tudo o que tocava.
“Little Boy”
A bomba atómica que caiu em Hiroshima provocou uma explosão com uma força equivalente a 15 mil toneladas de TNT. Para termos uma ideia, um quilo de TNT pode ser suficiente para destruir um carro.

Foto: AFP (bomba nuclear do tipo da "Little Boy")

Foto: Bing Hui Yau - Unsplash
Estima-se que pelo menos 70.000 pessoas morreram nas horas imediatamente a seguir à explosão. Mais tarde, a doença da radiação, o cancro e outros efeitos a longo prazo elevaram o número estimado de mortos para mais de 200 mil, de acordo com o Departamento de Energia dos EUA.
No entanto, não há números concretos e ainda se procuram os restos mortais de muitas vítimas.
Os hibakusha
Os sobreviventes das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki, conhecidos como hibakusha, sofreram os efeitos devastadores do calor intenso e da radiação.
Num documentário do Discovery Channel, Toshio Tanaka recorda que “às 8h15, eu estava a caminho da escola e alguém gritou: ‘Bombardeiro inimigo!’”. “Olhei para o céu e vi um tremendo clarão, era como um milhão de luzes, tudo ficou branco.”
“Homens, mulheres e crianças estavam quase nus, com roupas queimadas. Caminhavam em silêncio, com os braços estendidos e a pele queimada a cair ou pendurada nas pontas dos dedos”, lembra Tanaka, “pareciam fantasmas ou zombies”.

Foto: EPA
“Eu estava em pé ao lado meu pai. De repente, o meu pai puxou-me e fomos para baixo de uma mesa. Nesse momento: BUM. Algo explodiu e senti um vento forte”, relembrou Bonkohara, entrevistado pelo jornal brasileiro O Globo. “Apesar de muito novo, eu lembro-me de uma imagem. Hiroshima era banhada por sete rios. Todos eles estavam cheios de pessoas feridas que procuravam água ou de corpos que ficavam a boiar."
Agora com 85 anos, grande parte da vida de Bonkohara foi dedicada a promover o pacifismo e o fim dos arsenais atómicos.
Em Ninoshima, à procura de mortos
Quando a primeira bomba atómica explodiu há 80 anos, no dia 6 de agosto, milhares de mortos e moribundos foram levados para a pequena ilha rural de Ninoshima, a sul de Hiroshima, por embarcações militares.

Foto: Kim Kyung-Hoon - Reuters
Pretende-se também aliviar os sobreviventes que ainda se atormentam com as recordações dos familiares desaparecidos.
"Até que isso aconteça, a guerra ainda não acabou para estas pessoas", disse Rebun Kayo, um investigador da Universidade de Hiroshima que visita regularmente Ninoshima desde 2018 para procurar restos mortais.

Foto: Kim Kyung-Hoon - Reuters
Anos mais tarde, Gishi escreveu que, no início, os soldados tratavam cuidadosamente os corpos um a um, mas depressa se sentiram sobrecarregados pelo enorme número de corpos em decomposição e utilizaram um incinerador originalmente destinado a cavalos militares.
"Fiquei sem palavras devido ao choque quando vi o primeiro grupo de feridos que chegou à ilha", escreveu em 1992 um antigo médico do exército, Yoshitaka Kohara.
"Estava habituado a ver muitos soldados gravemente feridos nos campos de batalha, mas nunca tinha visto ninguém num estado tão cruel e trágico". "Era um inferno", acrescentou.
Três dias depois, os EUA lançaram uma segunda bomba nuclear
Nagasaki não estava na lista de alvos prioritários para a segunda missão. A topografia acidentada e a proximidade com um campo de prisioneiros de guerra aliados tornavam Nagasaki um alvo secundário.

Foto: EPA
Foto: Hiroshima Peace Memorial Museum via AFP
A esta estranheza junta-se outra. Também o exército japonês recebeu, através do telégrafo ferroviário, a informação de que tinha havido uma explosão. No entanto, os radares não tinham detectado um ataque aéreo. Claramente algo estava errado.
Foto: Kim Kyung-Hoon - Reuters (estrutura de parte do edifício mais próximo da explosão e que ficou conhecido como Cúpula da Bomba Atómica de Hiroshima)
Tóquio tentou contactar Hiroshima. Silêncio. Dão-se ordens a um jovem oficial que voe até lá e averigue o que aconteceu.
Quando ele e o piloto chegaram a Hiroshima testemunharam uma devastação nunca antes vista: edifícios arrasados, uma cidade em chamas, fumo e nuvens estranhas no céu.
Demorou algumas horas até que Tóquio descobrisse o que tinha acontecido.
Foto: EPA (visitante observa imagem de sobrevivente, no Museu do Memorial da Paz de Hiroshima)
Aqueles que sobreviveram dizem que tudo começou com um clarão brilhante e silencioso. Lembram-se de uma enorme onda de calor intenso que transformou as roupas em farrapos. As pessoas mais próximas da bomba foram imediatamente reduzidas a cinzas.
Houve um estrondo ensurdecedor e uma explosão que - para alguns - foi como se estivessem a ser espetados por centenas de agulhas.
Depois começaram os incêndios que varreram a cidade. Muitos sobreviventes ficaram cobertos de bolhas. Os corpos espalhavam-se pelas ruas.
Foto: Reuters (arquivo) - voluntários retiram um corpo dos escombros
Começou a cair uma chuva esquisita. Do céu caiam detritos e cinzas como se fossem gotas de água. Mas era precipitação radioativa, a chamada chuva negra que enegrecia tudo o que tocava.
“Little Boy”
A bomba atómica que caiu em Hiroshima provocou uma explosão com uma força equivalente a 15 mil toneladas de TNT. Para termos uma ideia, um quilo de TNT pode ser suficiente para destruir um carro.
Foto: AFP (bomba nuclear do tipo da "Little Boy")
A bomba de Hiroshima matou instantaneamente 92 por cento das pessoas que estavam num raio de 600 metros do chamado ponto zero. A onda de calor gerada terá ultrapassado os 4.000 °C num raio de cerca de 4,5 quilómetros desse local.
Cerca de 60 mil edifícios, dois terços dos que havia na cidade, foram reduzidos a escombros.
Foto: Bing Hui Yau - Unsplash
O Enola Gay, o bombardeiro norte-americano B-29 pilotado pelo coronel Paul Tibbets, sobrevoava Hiroshima a uma altitude de cerca de 9,5 quilómetros quando lançou a bomba de urânio-235.
A bomba tinha como nome de código “Little Boy” (“Pequeno Rapaz”).Estima-se que pelo menos 70.000 pessoas morreram nas horas imediatamente a seguir à explosão. Mais tarde, a doença da radiação, o cancro e outros efeitos a longo prazo elevaram o número estimado de mortos para mais de 200 mil, de acordo com o Departamento de Energia dos EUA.
No entanto, não há números concretos e ainda se procuram os restos mortais de muitas vítimas.
Os hibakusha
Os sobreviventes das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki, conhecidos como hibakusha, sofreram os efeitos devastadores do calor intenso e da radiação.
“Homens, mulheres e crianças estavam quase nus, com roupas queimadas. Caminhavam em silêncio, com os braços estendidos e a pele queimada a cair ou pendurada nas pontas dos dedos”, lembra Tanaka, “pareciam fantasmas ou zombies”.
Outro sobrevivente conta que, aos cinco anos de idade, tinha que acordar cedo e ir para o trabalho do pai. Nesse dia, os dois estavam no escritório quando um ruído imenso suprimiu todos os sons da cidade.
Foto: EPA
Agora com 85 anos, grande parte da vida de Bonkohara foi dedicada a promover o pacifismo e o fim dos arsenais atómicos.
Em Ninoshima, à procura de mortos
Quando a primeira bomba atómica explodiu há 80 anos, no dia 6 de agosto, milhares de mortos e moribundos foram levados para a pequena ilha rural de Ninoshima, a sul de Hiroshima, por embarcações militares.
Devido à falta de medicamentos e cuidados, apenas algumas centenas estavam vivas quando o hospital de campanha fechou em 25 de agosto, segundo registos históricos.
Os que morreram foram enterrados em vários locais em operações caóticas e apressadas.
Os que morreram foram enterrados em vários locais em operações caóticas e apressadas.
Foto: Kim Kyung-Hoon - Reuters
Oito décadas mais tarde, há quem continue à procura de restos mortais dos desaparecidos, segundo a agência de notícias norte-americana Associated Press (AP).
"Até que isso aconteça, a guerra ainda não acabou para estas pessoas", disse Rebun Kayo, um investigador da Universidade de Hiroshima que visita regularmente Ninoshima desde 2018 para procurar restos mortais.
Até ao momento, Kayo encontrou cerca de 100 fragmentos de ossos, incluindo pedaços de crânio e o maxilar de uma criança com pequenos dentes agarrados.
Foto: Kim Kyung-Hoon - Reuters
Encontrou os ossos numa área sugerida por um residente de Ninoshima, cujo pai tinha testemunhado soldados a enterrar corpos que foram levados para a ilha há 80 anos.
De acordo com documentos da cidade de Hiroshima, os militares do Exército Imperial trabalhavam 24 horas por dia na cremação e nos enterros na ilha.
Eiko Gishi, na altura com 18 anos, supervisionou o transporte dos feridos do cais para a área de quarentena para receberem os primeiros socorros.
"Fiquei sem palavras devido ao choque quando vi o primeiro grupo de feridos que chegou à ilha", escreveu em 1992 um antigo médico do exército, Yoshitaka Kohara.
"Estava habituado a ver muitos soldados gravemente feridos nos campos de batalha, mas nunca tinha visto ninguém num estado tão cruel e trágico". "Era um inferno", acrescentou.
Três dias depois, os EUA lançaram uma segunda bomba nuclear
Nagasaki não estava na lista de alvos prioritários para a segunda missão. A topografia acidentada e a proximidade com um campo de prisioneiros de guerra aliados tornavam Nagasaki um alvo secundário.
Entre os principais alvos estava Kokura, uma cidade com zonas industriais e urbanas e com um terreno relativamente plano.
No entanto, no dia 9 de agosto Kokura estava coberta de neblina e a tripulação recebeu ordens para selecionar visualmente um alvo alternativo. Desviaram para Nagasaki.
Algures em Nagasaky, um relógio quase derretido fixou o início do horror na cidade: 11h02.
Foto: EPA
O Bockscar, um bombardeiro B-29 pilotado pelo major Charles Sweeney, lançou uma bomba, nome de código “Fat Man” (“Homem Gordo”).
A bomba continha cerca de 6 kg de plutónio, mas terá bastado um quilo para libertar uma energia equivalente a 21 mil toneladas de TNT.
Em Nagasaki, a explosão foi mais forte do que a de Hiroshima, mas o terreno montanhoso de Nagasaki, localizado entre dois vales, limitou a área de destruição. No entanto, quase 40 por cento da cidade ficou em ruínas.
Para conhecer mais relatos: https://www.1945project.com/
Para ler a primeira reportagem após o ataque com a bomba nuclear em Hiroshima: https://www.newyorker.com/magazine/1946/08/31/hiroshima
Para ler a primeira reportagem após o ataque com a bomba nuclear em Hiroshima: https://www.newyorker.com/magazine/1946/08/31/hiroshima